quinta-feira, 14 de julho de 2011
Carta de um bebê
“Oi mamãe, tudo bom? Eu estou bem, graças a Deus faz apenas alguns dias que você me concebeu em sua barriguinha. Na verdade, não posso explicar como estou feliz em saber que você será minha mamãe, outra coisa que me enche de orgulho é ver o amor com que fui concebido.
Tudo parece indicar que eu serei a criança mais feliz do mundo!!!!!
Mamãe, já passou um mês desde que fui concebido e já começo a ver como o
meu corpinho começa a se formar. Quer dizer… Não estou tão lindo como você, mas me dê uma oportunidade. Estou muito feliz!!!!!!
Mas tem algo que me deixa preocupado…
Ultimamente me dei conta de que há algo na sua cabeça que não me deixa dormir. Mas tudo bem. Isso vai passar, não se desespere.
Mamãe, já passaram dois meses e meio. Estou muito feliz com minhas novas mãos e tenho vontade de usá-las para brincar…
Mamãezinha me diga o que foi. Por que você chora tanto todas as noites?? Porque quando você e o papai se encontram gritam tanto um com o outro? Vocês não me querem mais ou o que? Vou fazer o possível para que me queiram…
Já passaram 3 meses mamãe. Te noto muito deprimida, não entendo o que está acontecendo. Estou muito confuso. Hoje de manhã fomos ao médico e ele marcou uma visita amanhã. Não entendo… Eu me sinto muito bem…. Por acaso você se sente mal mamãe?
Mamãe, já é dia, onde vamos? O que está acontecendo mamãe?? Porque choras?? Não chore, não vai acontecer nada…
Mamãe, não se deite, ainda são 2 horas da tarde, não tenho sono, quero continuar brincando com minhas mãozinhas.
Ei!!!!!! O que esse tubinho está fazendo na minha casinha?? É um brinquedo novo?? Olha!!!!!! Ei, porque estão sugando minha casa?? Mamãe!!!! Espere, essa é a minha mãozinha!!!! Moço, porque a arrancou?? Não vê que me machuca??
Mamãe, me defenda!!!!!! Mamãe, me ajude!!!!!!!! Não vê que ainda sou muito pequeno para me defender sozinho??
Mãe, a minha perninha, estão arrancando. Diga para eles pararem, juro a você que vou me comportar bem e que não vou mais te chutar. Como é possível que um ser humano possa fazer isso comigo? Ele vai ver só quando eu for grande e forte! >:(
Ai….. Mamãe, já não consigo mais…
Ai….. Mamãe, mamãe, me ajude………..
Mamãe, já se passaram 17 anos desde aquele dia e eu daqui de cima observo como ainda te machuca ter tomado aquela decisão.
Por favor, não chore! Lembre-se que te amo muito e que estarei aqui te esperando com muitos abraços e beijos.
Te amo muito
Seu bebê.”
terça-feira, 12 de julho de 2011
sobre uma cidade que parecia ser feita de giz.
Perto da janela havia um pequeno jardim quase seco.
Era uma época de estiagem, de terra esfarelada,
e o jardim parecia morto.
Mas todas as manhãs vinha um pobre com um balde,
e, em silêncio, ia atirando com a mão umas gotas de água sobre as plantas.
Não era uma rega: era uma espécie de aspersão ritual,
para que o jardim não morresse.
E eu olhava para as plantas, para o homem,
para as gotas de água que caíam de seus
dedos magros e meu coração ficava completamente feliz.
Às vezes abro a janela e encontro o jasmineiro em flor.
Outras vezes encontro nuvens espessas.
Avisto crianças que vão para a escola.
Pardais que pulam pelo muro.
Gatos que abrem e fecham os olhos, sonhando com pardais.
Borboletas brancas, duas a duas, como refletidas no espelho do ar.
Marimbondos que sempre me parecem personagens de Lope de Vega.
Ás vezes, um galo canta.
Às vezes, um avião passa.
Tudo está certo, no seu lugar, cumprindo o seu destino.
E eu me sinto completamente feliz.
Mas, quando falo dessas pequenas felicidades certas,
que estão diante de cada janela, uns dizem que essas coisas não existem,
outros que só existem diante das minhas janelas, e outros,
finalmente, que é preciso aprender a olhar, para poder vê-las assim.
Cecília Meireles
"... Mas se eu tivesse ficado, teria sido diferente?
Melhor interromper o
processo em meio:
quando se conhece o fim,
quando se sabe que doerá muito mais
por que ir em
frente?
Não há sentido:
melhor escapar deixando uma lembrança qualquer,
lenço esquecido numa gaveta,
camisa jogada na cadeira,
uma fotografia
qualquer coisa que depois de muito tempo
a gente possa olhar e sorrir,
mesmo sem saber por quê.
Melhor do que não sobrar nada,
e que esse nada seja áspero como um tempo perdido ..."
(Caio Fernando Abreu)